No último sábado, 7, assisti a uma palestra espírita. Não surpreendentemente, o tema serviu a mim como uma calça que se encaixa milimetricamente a todas as curvas do meu corpo: fé.
Conheço e admiro a doutrina desde que me conheço por gente, mas sempre fui uma grande questionadora da vida – interpretações prontas não me cativam.
Ter a consciência aberta e meus próprios ideais me apresenta todos os dias novos caminhos. Estar disposta a receber novas representações, através da literatura, de histórias e de vivências humanas, me expõe ao mundo que almejo conhecer, mas nunca me estagnar. Como se meu ser precisasse preencher diversas lacunas vazias espalhadas pelo meu corpo. Como se eu fosse um Lego, com a maioria dos blocos soltos.
Autoconhecimento
Durante aquela palestra ouvi muito sobre a fé mover montanhas. Mas é possível acreditar num deus sem acreditar em si? Aliás, eu posso ser uma pessoa de fé sem acreditar em absolutamente nada? Eu não estou aqui prosando a respeito de frequentar igrejas, carregar o terço, entregar cestas básicas ou dividir o prato de comida – até porque a caridade só é genuína quando vem carregada de propósito.
E eu me engano quando penso que não sou capaz de me enganar. Quantas vezes já enchi o peito pra falar que participei de trabalhos sociais? E quando alguém fala que não gostou do meu novo corte de cabelo, é decepcionante! Aliás, talvez eu só tenha gostado porque gostaram. Será que faríamos caridade enquanto ninguém observa? Ou será que cortaríamos o cabelo de forma que não condiz ao grupo a que pertencemos?
Quando você der esmola, que a sua mão esquerda não saiba o que está fazendo a direita. – Mateus 6:3
Li o artigo Sua empatia de vitrine não ajuda ninguém, da autora
, e sinto que ela moldou as palavras pra que eu acendesse a chama do fósforo que já estava há um tempo aqui dentro.“Um casal dentro do carro. Um morador de rua bate no vidro e pede dinheiro. A mulher diz que não tem e fica com pena. O homem, sem drama, tira 100 reais do bolso, entrega junto com um cartão e diz: “Segunda-feira, aparece na minha empresa pra uma entrevista.” Essa cena me marcou. Pena não muda nada. Oportunidade muda tudo.”
Conheço pessoas que ajudam e ninguém sabe, essas eu admiro. Oportunidades de emprego, ajuda financeira pra educação de um indivíduo, adoção de animais. A gente pode fazer muito enquanto faz pouco – basta fechar os olhos e lembrar da intenção. Fotos no Instagram entregando marmitas a moradores de rua podem funcionar se forem com o intuito de espalhar bondade e incentivar pessoas – que é diferente de fortalecer o ego.
E ego frágil não combina com autoconfiança. Se existe um deus dentro de mim, qual é o propósito de buscar por validação fora? Aprovação coletiva? Networking? Quando a identidade se tornou uma construção social?
“A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento.”– Milan Kundera
E então volto a falar da doutrina espírita. No Livro dos Espíritos, psicografado por Allan Kardec, temos a primeira pergunta:
Que é Deus?
E a primeira resposta:
Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.
Ou seja, Deus não é o juíz vingativo, o observador onipresente que vai queimar aquele que contestar sua existência. Deus é a causa primária da nossa consciência. E se eu acredito em Deus, acredito em mim. Se não acredito num deus, mas acredito em mim, carrego a pureza da humanidade e o propósito de estar alinhada comigo mesma. E assim, parafraseio Fernando Pessoa:
Mas se Deus é as árvores e as flores E os montes e o luar e o sol, Para que lhe chamo eu Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; Porque, se ele se fez, para eu o ver, Sol e luar e flores e árvores e montes, Se ele me aparece como sendo árvores e montes E luar e sol e flores, É que ele quer que eu o conheça Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe, (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?), Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, Como quem abre os olhos e vê, E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, E amo-o sem pensar nele, E penso-o vendo e ouvindo, E ando com ele a toda a hora.
E concluo, então, que ainda não tenho inteligência nem sentido pra decifrar que é Deus. E acredito que minha fé esteja mais próxima de um átomo do que de um grão de mostarda. Mas sinceramente? A fé não é estática. Há dias em que acredito na minha capacidade, inteligência e sensibilidade. Mas há dias em que me isolo e peço a um deus abstrato que me devolva o brio da existência suprema. E assim, ele me carrega às árvores, às flores, aos montes, ao luar e ao sol.
E é por isso que a fé move montanhas. Porque acreditar em si mesmo e nos próprios propósitos, é o maior gesto de benevolência que podemos entregar. Oferecer esmolas, cestas básicas, uma caixa de leite ou adotar um bichinho, são consequências do ato de amor próprio. Porque quem ama a si mesmo, faz mais pelo próximo. Quem ama a si mesmo, ama a todas as coisas.
UAU. Nunca tinha encontrado nenhuma reflexão tão próxima daquilo que penso da nossa existência, da definição de Deus, da responsabilidade social de cada um de nós. Há palavras que estão neste texto que eu invejo muito (confesso) porque é o que sinto mas nunca consegui escrevê-lo tão bem. 👏👏👏
Que lindo, senti um quentinho no coração, obrigada por compartilhar isso!