Eu busco pela validação feminina porque é o lugar que ocupo
Feminilidade, pick-me girl e normas de gênero
Se as mulheres já são naturalmente punidas pela expressão da raiva e do desejo, como lidamos com o composto feminilidade e austeridade?
A homogeneização do feminino, — a visão unilateral do que somos, — nasce da tentativa de obscurecer a imagem da mulher, nos transformando em espetáculos visuais frágeis, sensíveis e inferiores. Porém, nasce também do patriarcado, o feminismo que considera um fracasso a escolha pela feminilidade, considerando que esta nos reduzir à complacência masculina e a incapacidade de enfrentar, competir, — no mercado de trabalho, por exemplo, — ou até mesmo de conquistar os homens.
Não é surpresa que a homofobia também está diretamente relacionada à tendência de zombar e menosprezar as mulheres, como se o feminino estivesse diretamente ligado à fraqueza e submissão. Assim, a natureza masculina surge para dominar a sociedade, explicando o fato do nosso distanciamento de nós mesmas com a justificativa de ocupar os lugares que os homens ocupam. Assim,
, em O jeito feminino de performar (e investir), cita:Depois de tantas gerações ficando para trás, tivemos apenas algumas poucas décadas para tentar recuperar o que nos foi sistematicamente negado. Por isso, passamos a acreditar que só havia um caminho: nos esforçar o dobro — ou talvez o triplo — inspirando-nos nos modelos masculinos de sucesso. Para conquistar nosso espaço, adotamos um ideal que exigia dureza, controle, culto à hierarquia, invulnerabilidade. Incorporamos, muitas vezes sem perceber, o script de um profissional estereotipicamente masculino.
O movimento Pick-me Girl
Não obstante da rejeição manipulada do feminino, nasce o termo Pick-me Girl, que expressa a aversão das próprias mulheres (ou garotas) às próprias mulheres. Elas não vestem cor-de-rosa nem usam batom. Seu grupo de amigos é composto majoritariamente por homens e têm a necessidade da aprovação e da validação masculina, atendendo as suas personalidades a eles.
De acordo com a psicóloga clínica e especialista em relacionamentos, Betsy Chung, essas garotas querem ser escolhidas por insegurança e competitividade, fingindo hobbies para que “os caras” as convidem para sair ou para pertencer aos seus grupos.
No fim, elas anulam sua sensibilidade pela performance (até porque “garotos não gostam de drama”) e tratam com futilidade o que “garotas comum” gostam.
Feminilidade e futilidade
A cultura patriarcal continua marginalizando o que é feminino. Enquanto o futebol, composto majoritariamente pelo público masculino (executivos, pedreiros, servidores públicos), é aclamado nacionalmente, beleza, maquiagem, estilo, — componentes do nosso universo, — são deslegitimados e tratados como supérfluos e fúteis. Nós somos “crianças”, — colecionamos itens de papelaria, praticamos crochê, fazemos vídeos de skincare e decoramos nossas unhas, — mas também somos aptas, estudiosas, dedicadas e sábias (mas isso realmente importa?)
Reese Witherspoon interpretou Elle Woods em Legalmente Loira (2001), uma jovem loira, feminina, apaixonada por estética, beleza e lifestyle, formada em Moda e estudante de Direito. Durante o filme, a garota percebe que não precisa abrir mão da sua estética (completamente rosa e glamourosa) para ser uma grande profissional. Ela virou alvo de piadas por conta da sua identidade autêntica, mas mostrou a sua competência, provando que a pressão masculina para pertencer a um grupo acadêmico ou para advogar, pode ser superada pelo seu esforço, ética e inteligência.
Quando o sistema social entra em cena para nos oprimir, nossa personalidade é anulada e engaiolada, servindo apenas para cumprir expectativas. E a contradição nasce na desvalorização da nossa feminilidade ao mesmo tempo que exige das mulheres masculinas e severas, sutileza para que cumpram as normas de gênero (para que não sejam uma ameaça aos homens).
E no fim, ser feminina demais nos exige o triplo de esforço. Ser austera demais, gera confrontos, questionamentos e ameaças. Quando estamos certas?
Um panorama pessoal
Tanto em relacionamentos quanto no mercado de trabalho, sofri por ser sensível demais, feminina demais ou até simpática demais. Já fui chamada de fútil por apreciar e consumir itens femininos, — e não nego, vez ou outra, me pego dissociando para agradar outrem. — Mas sempre me perco no caminho. Minha personalidade é distinta, meu jeito espontâneo, sou extremamente comunicativa e hoje, depois de tanto buscar pela validação masculina, busco pela inspiração feminina.
Quero consumir textos de mulheres, assistir mulheres, escrever para mulheres e gravar vídeos para mulheres. Sou leitora, tenho ítens colecionáveis, caio em micro-tendências, gosto de bolsas, gloss, tons quentes, tenho uma caixa de memórias (sou nostálgica), amo gatos, aprecio meu feed do Instagram, excluí o Twitter, amo minha estética, escrevo num blog, quero escrever muitos livros, sou profissional e tenho gravado vídeos nas redes sociais, — conversando, participando de trends, me divertindo, aconselhando e criando laços.
Aliás, sou uma grande criadora de laços. Tenho vontade de conhecer todas as histórias do mundo e contar (escrevendo, falando, documentando) a minha história e meus conhecimentos. Sou comunicadora, estudiosa, curiosa, mutável e uma girl girly. E não nego, busco pela validação feminina e sou uma grande apreciadora do nosso universo.
Obs: também leio homens, ouço homens, tenho interesse em seus conhecimentos e escrevo para eles. Mas neste texto, quis ressaltar a feminilidade e as problemáticas sociais em torno do dela.
Fontes Bibliográficas:
pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372012000200004
journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/13634607241259540
www.verywellmind.com/what-is-misogyny-5076055
www.womenshealthmag.com/uk/health/a60635920/pick-me-girl-relationship-meaning/
Para mais Liv Magazine:
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Este texto, apesar de provavelmente ter sido escrito a pensar nas mulheres, devia ser lido por homens. Trabalhando eu próprio no mundo corporativo (mundo que abomino mas tolero de uma forma algo camaleónica) assisti varias vezes a este fenómeno de que fala aqui. A masculinização das mulheres em cargos de chefia. Um erro gigante. Vi mulheres serem mais duras com outras mulheres durante a gravidez, e durante a maternidade, do que qualquer homem. Chocante. Chocou-me ver mulheres a tratar assim outras mulheres. Já me chocaria ver homens a desvalorizar e a maltratar mulheres por fazerem algo tão sagrado e bonito como serem mães. Mas mulheres? Enfim, esta adaptação masculina das mulheres traz o pior possível: uma mulher nessas circunstâncias não vai comportar-se apenas como um homem, vai ser mais dura e mais implacável porque tem também muito mais a provar (esta necessidade é culpa nossa, dos homens). É uma pena porque no momento em que poderia ganhar tanto com uma visão mais feminina em alguns cargos, deitamos tudo a perder. Mas acho que há esperança e vejo mudanças diariamente. Tenho esperança de que a visão do sagrado feminino se mantenha. Não há nada de fútil em ser-se mulher, em abraçar essa feminilidade. Tal como não há nada de fútil em ser-se homem, em abraçar a masculinidade. São energias diferentes e, convenhamos, a energia feminina é fundamental para o nosso sucesso enquanto humanidade. Não me lembro de haver muitas guerras iniciadas e lideradas por mulheres. A energia masculina que tem estado na liderança ao longo de séculos tem-nos levado a evoluções estrondosas, é um facto, mas também nos tem trazido muitos amargos de boca. Os homens buscam o crescimento constante, a força e, acima de tudo, competir e vencer. As mulheres buscam crescimento pela sobrevivência. Está no ADN feminino a proteção das espécie e a criação de comunidades. Já está mais do que na hora de termos essa energia nos principais quadros decisores do mundo. Falo da verdadeira energia feminina e não da energia masculinizada das mulheres. Continue a ser assim "girl girly". Não há nada de errado nisso, antes pelo contrário, talvez seja isso mesmo que estamos todos a precisar e talvez seja a nossa salvação. 😊
Esse assunto precisa ser abordado sempre!!! Que bom poder ler isso