Com 15 anos, eu, Lívia, era um enigma. Tinha muitos amigos e não havia vergonha que me impedisse de ser quem eu era: extrovertida, ingênua e meio fora da casinha. Há quem dissesse, “Ela não é uma pessoa, é um evento.” Mas, pra não fugir das contradições, tinha quem me achasse completamente perturbada. Expunha gratuitamente os meus problemas pessoais em sala de aula e, como fazia curso de teatro, ensaiava sozinha O Auto da Compadecida no pátio da escola (sério!!!).
Aos 17, quando a maturidade começou a se infiltrar, comecei a namorar. Foi um típico relacionamento adolescente - meu mundo se tornou ele, o estágio e a faculdade. Foram quatro bons e confortáveis anos, até que, aos 21, terminei. Vislumbrei uma vida mais plena longe dele, mas foi diferente. De tempos em tempos me via preenchida no colo vazio de um homem desprezível.
Deixei a Lívia ambiciosa pra trás e despendi nobres anos da minha vida buscando validação de pessoas desimportantes e vivendo uma realidade medíocre, como se aquilo me bastasse. Mas não para por aí.
Aos 22, fiquei solteira e comecei a viver de fato a tão almejada juventude. Eram muitos amigos, festas de quinta a sábado, experimentos sociais completamente dispensáveis e naquele momento, eu era grandiosa. Organizava “sociais” e o WhatsApp tocava o tempo inteiro. Até que a maturidade despertou de novo.
“Aquele homem é meu amigo mesmo? Ele acabou de passar a mão na minha bunda!” “A minha amiga me largou na festa bêbada” “Será que um dia eu vou conseguir deixar essa vida?” Não valia à pena. Não compensava física e psicologicamente sair 6h da manhã de uma festa e pegar carona com gente estranha - com a incerteza de chegar em casa.
Aos 23, depois de jogar centenas de Eu Nunca, expondo minhas individualidades e fatos pessoais, percebi que aquelas pessoas não eram minhas amigas. Percebi as conversas repletas de alfinetas e maldizeres. Percebi o quanto eu precisava de validação masculina pra me sentir nutrida - enquanto era descartada deliberadamente aos quatro cantos. E o ato de perceber o que estava implícito, foi tenebroso, foi libertador.
E hoje, aos 26 anos, eu virei o que eu mais temia: uma mulher chata. Mas eu só me tornei isso porque aos 20 e poucos, eu fui tudo aquilo. E se naquele momento, aos 23, eu não tivesse questionado o ambiente inabitável que eu tava habitando, meus amores, eu seria até hoje a Lívia em busca de aceitação - a que posta fotos horrendas implorando por bajulações.
Como ser uma mulher chata?
Talvez você nunca precise passar por toda essa maluquice pra se descobrir uma mulher com critérios - e se isso for um fato, tenho muito orgulho de você. Mas tudo o que eu passei foi válido e me obrigou criar limites.
Eu bebia deliberadamente e passava dias com a dor de cabeça resultante da ressaca e hoje, uma ou duas taças de vinho me suprem. Eu chegava em casa de madrugada com a maior fome do mundo, e fazia o primeiro miojo que via no armário. Hoje, não tem miojo por aqui. Mas essa conversa não é sobre miojo.
Os 20 e poucos são o início de um ciclo - a vida adulta. Conhecer, viver e experienciar: tudo isso faz parte da juventude. Mas uma hora, a gente tem que reconhecer. Reconhecer quem nós somos, o mundo que habitamos, quem queremos nos tornar e ouvir os sinais.
Eu não consigo mais frequentar qualquer lugar. Me nego a ir na casa de pessoas que não quero ter convívio e no primeiro sinal de desconfiança, inconscientemente, me afasto. A minha casa é frequentada por um número limitado de amigos, - todos os que eu tenho hoje - e quando saio à noite, é muito difícil passar das 23h.
E por isso me transformei numa chata, beirando o insuportável. Me tornei observadora e ouvinte e, consequentemente, não sustento mais a fantasia de rainha da festa (ou do jantar, do brunch). Os sinais tem surgido de forma clara e convicta e, quase sempre, sei quando é hora de parar, romper ou me afastar.
Parece uma ladainha repetitiva dizer que você tem que se valorizar e se conhecer e blábláblá, mas mais alguém tem autoridade sobre isso? Aliás, a pergunta, é: você tem tomado as suas próprias decisões ou tem seguido o rebanho, ignorando os sinais tocando no seu ouvido? Diva, você não merece fazer as unhas pra ir nesse rolê insalubre.
A gente sempre sabe quando é hora de descontinuar e voltar três casas pra trás. O problema, é que a intuição grita, mas o medo de mudar de rumo é tão poderoso que nós ignoramos. No meu caso, tive medo de não me contentar com a vida mansa de um fim de semana guardada e pavor de não saber lidar com a fomo de perder uma festa medíocre completamente igual a todas as outras. Mas então eu descobri que os sinais só apareceram porque eu tava pronta pra recebê-los.
A arte de silenciar e parar pra observar, nos leva a lugares inimagináveis. E quanto mais apurada, mais sensibilidade adquirimos - o filtro aumenta, os limites são criados e assim, assumimos o lugar de espectadores e não mais de expositores (passa a ser um hábito entender as intenções de cada pessoa da roda). “Amizades” somem, outras surgem, a mente muda, o corpo se transforma, o apetite é outro e a sede daquilo que foi, é cessada.
“Observar é permitir que o instante diga algo que o tempo ainda não disse.” - Hilda Hilst
Não tenho vergonha de ir embora cedo ou de me negar a beber álcool de qualidade duvidosa (acaba com a minha semana, juro). Não hesito em sair do ambiente quando não me convém permanecer ou de chegar a conclusões sobre pessoas, até então próximas, que têm demonstrado inveja, desprezo ou manipulação. Por isso, quando seu senso de percepção aumentar, não tenha vergonha de ser chata. Faça isso por você.
Só não seja insuportável. fazer um rebranding pessoal não significa ser melhor do que os outros. Até porque essa é uma decisão individual que consequentemente vai refletir no coletivo. E isso é maturidade, ouvir os seus próprios sinais e agir silenciosamente - e se precisar de alarde, volte duas casas e repense. Seja uma chata consciente!
Escute a voz mansa que tem tentado se comunicar - ela pode estar solicitando mudanças. Trabalhe no seu futuro, faça o seu skincare, leia seu livro, vá a festivais, compre Bobbie Goods, aprenda a fazer dry martini e passe tempo de qualidade com você e com quem importa. - Ah, e busque inspiração nelas: nas chatas, sensatas, questionadoras e criteriosas.
Adorei o texto, Liv! Mas repare que, na verdade, nada do que você disse é sobre uma mulher chata, apenas sobre uma mulher que se coloca limites.
E a sociedade é tão acostumada a fazer o que quer com as mulheres, que quando não deixamos mais, nós mesmas nos vemos como as chatas do rolê, sendo que estamos apenas nos priorizando e escolhendo o que queremos ou não.
Mas entendi muito o que você quis dizer e concordo demais. E acho que esse momento chega pra todo mundo (tô nele, inclusive 😅).
Nem li, mas tenho certeza que sim. E ai da virei semi-comunista. Tô insuportável.