Você precisa preencher agora o seu acervo mental
Como cumprir a minha lista infinita de tarefas?
Começo a manhã fazendo anotações breves de minhas tarefas diárias:
Ir à academia;
Entregar demanda;
Escrever no Subs sobre criatividade;
Assistir uma aula da especialização;
Pagar fatura do cartão;
Pedir informações sobre o pilates.
E assim, concluo que a Lívia de ontem não percebeu que escrever um texto para o Substack demanda uma tarde inteira; assistir aulas exigem concentração e disciplina e, no fim, concluo a insustentabilidade de continuar na academia enquanto faço pilates. Ok, consegui pagar a fatura do cartão: leva dois minutos. Parabéns, uma tarefa cumprida! Mas se o dia dura 24h e eu sou naturalmente limitada no quesito fazer seis coisas ao mesmo tempo, por que continuo me exigindo produtividade infinita?
No fim das contas, o texto que seria sobre criatividade virou um relato melancólico sobre a falta que me faz investir nos meus hobbies. A demanda ficou para amanhã, é lógico! E esqueci de pedir as informações do pilates. No meio de uma produção decidi preparar um café, me distraí com as mensagens no WhatsApp, fiz uma hidratação no cabelo, parei para escolher capas de cadeira na Shopee ou precisei sair para comprar ração para o gato.
Concluindo, enfim, que os dias são instáveis e tudo pode acontecer no prazo de três horas, como uma dor de cabeça impossível, um drama intestinal cabuloso, a pior cólica que tive esse ano. Essas músicas softs estão me dando sono, troco para um jazz instrumental: melhor. Preciso parar um pouco para dialogar com o gato, quero ler aquele livro estagnado, tenho que ligar para a minha mãe.
E então, percebo que ainda não sou uma Inteligência Artificial. Para ter criatividade preciso de mais ( e mais e mais) repertório e, talvez, parar para ler um capítulo não seja uma má ideia: mesmo que pareça, — considerando a minha lista infinita. — Vou dar uma caminhada por aí, sair para tomar um café com o meu namorado ou tirar um cochilo para recuperar as energias. E me pergunto, será que acrescentar “as breves paradas” à lista solucionaria a minha frustração do fim do dia?
Não. Definitivamente só me é válido aceitar que meu cérebro só é funcional durante um período, que a criatividade não vem do além, — preciso de pausas, de leituras, apreciar a natureza — e que meu dia nunca será do jeitinho metódico que organizei, sendo que não sou nada metódica. E vale acrescentar que as “paradas” de ontem podem ser diferentes das de hoje. Mas aí entra a praticidade.
Preciso de uma prioridade que leve tempo e cumprir pequenos deveres que não exijam tanto esforço mental: pagar contas, preencher um formulário, pedir informações do pilates, dar atenção ao Lorenzo (gato filhote), ligar para a minha mãe (ela precisa falar comigo) ou fazer as unhas. E vale considerar que talvez uma delas não seja concluída. Ou seja, se a fatura do cartão vence amanhã, posso pagar amanhã, mas se tenho um gato filhote, não posso esquecer dele.
"Trabalhar com as mãos te conecta de um jeito mais físico e direto com a criação. Saia da frente da tela às vezes." — Austin Kleon em Roube como um Artista
Vamos conversar sobre a importância de parar?
Se a criação nunca é original, o que estamos fazendo horas seguidas na frente da tela do computador? Para o criador, nada é mais importante do que a união de experiências vividas, hobbies cultivados, viagens feitas, conversas aleatórias e livros lidos. Ou seja, é válido e genuíno adicionar seus pequenos prazeres na lista de afazeres.
Sair para tomar um brunch numa cafeteria nova pode te apresentar um livro de poesias que te despertará a vontade de escrever sobre o amor. Ou, se tens um projeto para entregar, por que não ouvir podcasts que te inspirem o tema? Se amas projetar cerâmica fria, vai lá fazer uma criação nova, — quem sabe fazer um sapato retrô te dê gana para estudar sobre a moda dos anos 60.
Não desista de criar, você é nasceu para isso. Mas entenda de uma vez por todas que nenhuma criação surge do nada e adaptar o nosso dia, — o dia de um ser criativo, — a aprender algo novo, caminhar no parque, ler um livro totalmente diferente dos já lidos, passar a tarde numa cabana na serra, pode ser muito mais produtivo do que passar o dia tentando e se frustando.
E assim, compartilho meus hobbies, — que vão além de minhas obrigações.
Fazer colagens;
Sou fascinada por revistas, seja elas quais forem, porque adoro imagens e frases fora de contexto. Assim, pego um papel (ou uma caixa de MDF), tesoura, cola e usufruo dos meus atributos criativos para criar qualquer coisa. O resultado sai de acordo com o meu estado mental no atual momento, — mas já fiz para dar de presente para muitas pessoas próximas.
Vez ou outra, uso o Canva também, mas prefiro lidar com as surpresas que só o papel proporciona.
Coleção de pequenas coisinhas;
Vale ressaltar que estou fascinada por isso no momento. E como começou? Bom, adorei a sensação de abrir uma caixinha de Sonny Angels e me deparar com um bonequinho humano com uma touca de porco espinho. — Tenho 26 anos, ok?
Mas não é só isso. Na casa dos meus pais tem muitas tralhas de quando eu era criança, e adivinha? Na caça por mini tralhas, achei dois cachorrinhos pequenos aveludados e um pinguim do Little Lets Pet Shop (só quem tem 20 e tantos vai entender) e ganhei do meu irmão (um millennium) um duende de cabelo amarelo da coleção Magic Duendes da Glasslite, que surgiu nos anos 90.
No atual momento, estou com o meu foco direcionado a um hot weells rosa que ainda não tenho. E sinceramente? Adoro olhar a minha coleção de mini criaturas e apreciar o mini acervo. Tem sido saudável fazer algo que nunca havia passado pela minha cabeça fazer.
Pintar livros de desenhos;
Ok, estamos no meio do hype dos Bobbie Good e não vou negar que caí na tendência. Mas juro, que tendência gostosa!
Comprei canetinhas, cadernos e passo horas pintando um desenho de ursinhos fazendo vitamina de frutas, — sozinha, com meus amigos, com a minha mãe ou com as minhas primas de 10 anos. Eu adoro escolher a paleta de cores e descobrir, no fim das contas, que tem cores que combinam muito umas com as outras, que outras definitivamente não conversam entre si e fazer texturas não é tão difícil assim.
Fazer sozinha enquanto escuto um podcast sobre psicologia é maravilhoso, mas comprar vinhos, reunir os amigos e jogar conversa fora enquanto a produção é feito, tem sido terapêutico (sem ser terapia).
Ir a cafeterias.
Pelo menos duas ou três vezes na semana sinto a necessidade de ir numa cafeteria nova ou simplesmente frequentar as que já conheço e aprecio o ambiente. Adoro o fato de todas serem diferentes e de entregarem propostas distintas, — algumas têm acervos de livros, cartas de tarô, outras têm um jardim com limoeiro e produzem seu próprio pão.
Me sinto inspirada enquanto aguardo meu iced coffee com caramelo salgado e meu cookie de macadâmia, observando cada cantinho produzido exatamente para proporcionar o aconchego e inspiração que busco.
“Antes que a tarde amanheça
e a noite vire dia
põe poesia no café
e café na poesia”— Paulo Leminski
Conclusão
Se o mundo tem pressa, nade contra a corrente. Consumir e construir conteúdos, artes e criações lentas, alimenta nosso repertório e desenvolve um cenário menos ansioso dos nossos dias. Vez ou outra, a vida exige rapidez, — nada de novo sob o sol, — mas podemos desacelerar para descobrir uma realidade menos densa e mais criativa.
Crie listas diárias realistas; não se fruste se não conseguir; consuma o que ama; elabore um novo prazer; descubra um novo hobbie; coma devagar; leia livros; descreva num bloco de notas o sabor de um doce que nunca tinha comido. Nós nascemos para criar mas não criamos sem um longo acervo de vivências mentais.
(Esse texto é para você assim como é para mim.)
Leia mais Liv Magazine:
Eu busco pela validação feminina porque é o lugar que ocupo
Se as mulheres já são naturalmente punidas pela expressão da raiva e do desejo, como lidamos com o composto feminilidade e austeridade?
Conquista: um jogo sem manual de instruções
Um homem está apaixonado. A mulher, (vamos chamá-la figurativamente de Alice) sabe que ele gosta do seu vestido branco florido. Aliás, ele adora os vestidos rodados que ela costuma usar quando vai à sorveteria. Alice está apaixonada. Ela adora quando Igor (nome do homem que está apaixonado) usa camisa de botão. Igor sabe. E em todos os encontros entre A…
Me sentir produtiva no dia-a-dia realmente se tornou tão mais leve quando passei a inserir "pausas" e coisas pra mim, que eu quero e gosto de fazer nas minhas listas de tarefa, como ler algumas páginas de um livro, parar pra apreciar um cafézinho com bolo no meio da tarde, ir em uma caminhada com minha mãe, passar uma horinha fazendo algo com meu irmão e dando atenção a ele. É muito fácil ficarmos tão concentrados em ser o mais produtivo possível num mundo que tá em 2x o tempo inteiro, que acabamos esquecendo de realmente viver nossos dias, apreciar os momentos que não voltam mais e fazer esses carinhos em nós mesmos 🥹🥹
Adorei o texto, Liv! Realmente, o nosso dia a dia incentiva muito o uso exacerbado de telas e uma correria e cobranças absurdas, produtividade o tempo todo! Foi uma leitura muito gostosa e me fez lembrar de vários hábitos da infância (amei que você citou o Little Pet Shop kkkk)!